A difícil função de treinador de futebol

Compartilhe

O bom treinador deve ter ótima saúde mental e percepção de suas emoções e dos que o cercam

Em campo, tenho a impressão de que a maioria dos jogadores faz o que lhes passa pela cabeça, ao invés de pensar nas orientações do técnico. Imaginem comandar um plantel de 30 jogadores e todo o grupo que os cerca. Faço uma analogia com uma família abastada que adota 11 adolescentes para criar. Como incutir na cabeça dos novos filhos as ideias e os princípios que norteiam esta nova família? Muitos jogadores têm na sua história de vida sofrimentos e traumas. De alguns os pais são pobres, com problemas financeiros ou doenças físicas e mentais. Outros passaram fome e toda sorte de abusos.

Estes atletas têm namoradas(os), esposas(os), filhos, e todo este enredo os acompanha no dia a dia e entra junto em campo. O atleta pode ter conflitos com um colega e, desta forma, não fará uma boa jogada com este desafeto. Penso que os treinadores experientes têm visão clara da didática do jogo e dos adversários.

O que diferencia cada técnico é a capacidade de seduzir e envolver os atletas para que se alinhem a ele. Os pais podem brigar com os filhos ou conversar e seduzi-los para que entendam os propósitos do casal. Com jogadores não é diferente, dar bronca e tirar do time pode não ajudar a melhorar o atleta. Não esqueçamos as diretorias, muitas vezes compostas mais de torcedores fanáticos do que de competentes líderes. Estes dirigentes, se não têm sucesso, deixam a função sem ônus ou penalização, e vida que segue. A torcida tende a despejar nos atletas toda sua frustração e raiva com o cotidiano de cada um. Melhor isso do que sair brigando na rua ou em casa. Os jornalistas também podem descarregar nos treinadores seus ressentimentos e desejos de serem eles os ocupantes deste cargo.

O bom treinador deve ter ótima saúde mental e percepção de suas emoções e dos que o cercam. Diria que se obtêm melhores resultados através do emocional do que do racional. Lembram-se da Copa da França? Na véspera da final, Ronaldo Fenômeno teve uma crise de ansiedade e ali perdemos a Copa. Ele convivia, segundo a imprensa, com vários problemas psicológicos seus e de sua família. A “cuca” não aguentou o estresse. O treinador é como a personagem da música do Chico, Geni! : “Joga pedra na Geni, ela é feita pra apanhar, ela é boa de cuspir”. Se passa a ganhar, muda para: “Você pode nos salvar, você vai nos redimir. Bendita Geni”. Logo volta para: “Joga pedra na Geni”.

Nelio Tombini
Psiquiatra, psicoterapeuta, psicoeducador

Publicado em GZH em 27.05.2023


Compartilhe

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

×