A história de um falso bipolar

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De início foi bem difícil, pois eu era muito fechado e retraído, os silêncios eram muito frequentes sendo as minhas respostas monossilábicas e vagas. As sessões se assimilavam a uma escavação arqueológica, nunca chegando ao fundo absoluto, pois sempre havia um “fale mais sobre isso”.

Mesmo assim, foi um período importante, pois apesar de todas as dificuldades, concluí a faculdade depois de sete anos. Mas havia  qualquer coisa melancólica permanente, uma insatisfação contínua, uma sensação de injustiça constante. Nunca conseguia atingir expectativas, nada era bom o suficiente e era fácil eu explodir por motivos aparentemente superficiais.

Devido a minha depressão diagnosticada me foi proposto a tomar Efexor (antidepressivo), eu aceitei e tomei por algum tempo até achar que me sentia anestesiado, sem reação ao que acontecia ao meu redor, como se uma camada se colocasse entre eu e o mundo.

Estava cansado daquela escavação que nunca chegava a lugar nenhum e resolvi trocar o atendimento por outro profissional que apenas receitava medicação. Como não melhorava, surgiu um novo diagnóstico de bipolar, principalmente devido aos acessos de fúria que volta e meia apareciam. Tentamos todas as combinações possíveis e imagináveis de remédios até julgar uma adequada para tratar a bipolaridade com depressão. Paralelamente comecei a frequentar uma psicóloga, mas sentia que em nada ajudava –  a vida ia mal e continuava perdido.

Decidi parar com a terapia mas permaneci tomando a medicação – estava convencido de que a tomaria pelo resto da vida.
O tempo passou e as coisas não andavam nada bem. Profissionalmente e afetivamente não me proporcionava situações muito saudáveis. As coisas não davam certo e não conseguia construir um caminho muito proveitoso. Minhas relações se davam muito com pessoas que não cuidavam bem de si, tinham crenças mágicas ou usavam álcool e maconha.

No trabalho estava sempre muito insatisfeito, sabotava muito a mim mesmo e não sabia o que fazer para buscar o que estaria mais de acordo com meus desejos. A medicação  era cara, e eu  não me convencia de que me ajudava. O psiquiatra  era uma pessoa que me apoiava em tudo que decidia fazer  – mesmo se não fosse algo adequado, não me parecia ser uma boa parceria.

Parei com o tratamento e a medicação. A única diferença significativa que percebi é que a medicação inibia o abuso do álcool. Sem a medicação bebia umas 4 noites por semana, o que é considerado normal por muita gente. Me convenci de com atitude positiva tudo daria certo, esse era o “segredo” – pura arrogância.

Segui assim por mais uns dois anos quando tive um colapso. Bebi demais uma noite, bati com meu carro e fui muito agressivo com as pessoas que estavam comigo, inclusive com minha namorada que acabou rompendo a relação.

Levei alguns dias até a ficha cair de que eu estava muito mal. Conversei com minha mãe que se prontificou a ajudar a encontrar alguém que pudesse me tirar daquele lodo. E lá fui eu para mais um psiquiatra, pessoa essa ligada a Psicobreve.

Mas o que me surpreendeu, depois de algumas intervenções duras dele no primeiro encontro, depois de contar minha história, ele me disse sem meias palavras que não via indícios  de doença de fundo biológico ou bioquímico. Não achava que eu era bipolar e que minha depressão era decorrente do jeito atrapalhado que eu levava minha vida. Aquilo soou muito diferente do que eu andava ouvindo e me propus a investigar.

Segui com uma terapia individual, sem medicação, depois iniciando uma terapia de grupo. Baseado na responsabilização de quem estou sendo a cada momento e examinando a cada instante as emoções que me surgem, fiz uma jornada muito difícil e exigente. Acolher os fatos e emoldurá-los na finitude da vida não é trabalho leve. Tomei contato com a idealização que tinha de mim mesmo e dos outros. Criava muitas expectativas, praticamente todas inatingíveis e baseadas em arrogância. Queria sempre controlar os outros e o mundo e não me dava conta que fazia isso. Os movimentos são muitos sutis e sem ajuda não enxergamos isso.

Faz dois anos que estou nessa exigente e frutífera caminhada. Tive sorte de encontrar ajuda apropriada para conseguir retomar o cuidado da minha vida. E o que percebo é que existem muita gente utilizando atalhos em medicações milagrosas que pouco resolvem essas disfunções emocionais. Estou trabalhando, voltei a cuidar de minha vida, ganhando meu sustento. Abri mão do uso de álcool, pois  apresentava sinais evidentes de dependência e não sabia disso.

Também percebi que a maconha não é uma substância que dá para associar ao dia a dia sem prejuízos para a vida. Percebo que muitas pessoas são rotuladas com doenças psiquiátricas e tomam medicação, mas suas vidas continuam sem mudanças. Parece que o rótulo de ser doente libera a pessoa de tomar conta de sua vida.

G.A.


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