Os abusos emocionais embutidos na publicidade

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Fervilhou nos meios de comunicação a propaganda, com roupas íntimas, realizada pela top model Gisele Bündchen. A modelo aparece no comercial dando informações ao marido sobre fatos ocorridos. São três diálogos que descrevo: “(1) …amor estourei meu cartão de crédito e também o seu; (2) mamãe vem morar conosco; (3) bati seu carro…”. Enfatiza, a peça publicitária, que o jeito ERRADO de dar a notícia é vestida e o CERTO é com roupas íntimas.

Não desejo ficar no papel do chato que enxerga coisas onde os outros não veem, mas quero mostrar aspectos camuflados do comercial, que entendo como abusivos à boa saúde das relações conjugais.

A propaganda expõe uma esposa avessa ao diálogo, ao contrário “empurra goela abaixo” do marido situações consumadas. As cenas mostram um  estereótipo bem badalado de mulher, mas que a meu ver, lida mal com sua vida. Não cuida adequadamente do uso que faz com o dinheiro, decide, unilateralmente, que a mãe virá morar com eles e que parece, também, não ter tido o cuidado com o carro do esposo.

O comercial sugere que a sedução sexual dá resultados e é um bom caminho para ser seguido pelas mulheres diante de dificuldades. Na nossa cultura o corpo feminino é supervalorizado, em detrimento ao intelecto, aos afetos e ao jeito de pensar da mulher. Lembro de um ditado que desqualifica a conversa em relação ao sexo, que diz: “os problemas do casal se resolvem na cama”.

É evidente o pouco caso que faz desse marido, que soa na propaganda como um paspalhão, que aceita este padrão de vínculo, em que o dinheiro é um elo forte para se manter uma relação. A idéia subliminar é que o companheiro aceita relacionar-se na linha de “me engana que eu gosto”. Em nossa cultura, os homens tendem a escolher a mulher pelo seu corpo e sua beleza. O inverso também é verdadeiro, muitas mulheres olham para o homem bonito e que aparenta poder.

As dificuldades conjugais decorrem da incapacidade dos casais saberem conversar. Observo fatores que deterioram o convívio, como: relações de domínio e de submissão, nas quais um dos cônjuges tenta mandar no outro; a pouca capacidade dos cônjuges serem verdadeiros em relação ao que sentem e pensam e a sexualização exagerada da relação.

O que ficará no imaginário das crianças  vendo esse comercial? “Terei resultados, quando crescer, se oferecer meu corpo nas horas difíceis da vida conjugal; o corpo é um instrumento de poder sobre os homens; para eu me sentir valorizada preciso ser uma mulher bonita e atraente”. Os meninos também incorporam esta ideia do corpo como o que manterá a relação.

Tenho alertado em palestras, entrevistas e workshop’s sobre os abusos e maus tratos psíquicos vivenciados em nosso cotidiano. É sabido que os abusos sexuais, físicos, morais são fatores de levam ao adoecimento mental, mas os verbais e os transmitidos pelas imagens são igualmente adoecedores.

Os psiquiatras e psicoterapeutas não têm nenhum instrumento ou exame para medir e mostrar os resultados nocivos destes abusos, mas eles são percebidos claramente nas terapias, como fatores desencadeantes do adoecimento emocional. Os resultados são ansiedades e estados depressivos que não estão relacionados a transtorno da química cerebral.

Diz à agência que criou a propaganda: “fica óbvio que se trata de uma brincadeira e em hipótese alguma como uma depreciação da figura feminina… que a sensualidade da mulher brasileira, pode ser uma arma eficaz no momento de se dar uma má notícia.”

Nada é óbvio na vida. Brincadeiras também causam grandes sofrimentos e danos na vida das pessoas. Sim, o comercial sugere a depreciação da figura da mulher e, também, do homem. O pior, diz a agência, é que a sensualidade pode ser uma arma eficaz para uma má notícia. Alô meninas, larguem os estudos e os sacrifícios para se tornarem alguém na vida, façam um curso para usarem a sensualidade e subirem na vida! Preferia que as mulheres brasileiras fossem reconhecidas mundialmente por sua inteligência, integridade, afetividade e também pela sensualidade e sexualidade.

Para se dar uma má ou boa notícia só se tem um CAMINHO. Ser verdadeiro, respeitoso, claro e direto. O resto é um grande “faz de conta” e este tipo de relacionamento enganador é um bom caminho para o adoecimento emocional e uma arma eficaz para deteriorar as relações conjugais.

Não estou querendo condenar as agências de propaganda. Acho que os criadores não percebem o conteúdo subliminar nocivo que está embutido em muitos comerciais, como também o leigo não tem ferramentas para olhar com mais atenção o que a publicidade nos oferece.

Dr. Nelio Tombini
Responsável pela Psiquiatria da Santa Casa de Porto Alegre
Diretor da Psicobreve


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