Visão psiquiátrica da renúncia de Jânio

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A renúncia de Jânio Quadros provocou uma mudança política nos rumos do País, nos levando para uma ditadura militar. Renunciou 204 dias após assumir o poder e até hoje tentamos entender o fato.

Vou lembrar aos mais jovens o que aprontou o presidente nesse curto período de governo. Tomou atitudes estranhas, como proibir o desfile de maiô nos concurso de miss (apesar de ser mulherengo), as brigas de galos e as corridas de cavalos em dias úteis. Planejou a anexação da Guiana Francesa e acabou brigando com a maioria dos parlamentares, inclusive os aliados. Não teria dormido na noite anterior à renúncia e, ao clarear do dia, disse para a mulher e alguns assessores a seguinte frase: “A conspiração está em marcha, mas vergar eu não vergo”. Outro desabafo: “Com este Congresso não posso governar”. Depois da renúncia permaneceu um dia inteiro com a faixa de presidente no peito. Viajou de navio cargueiro para a Europa.

Era muito teatral. Chegava aos comícios comendo sanduíche. Mantinha os cabelos desarrumados, forjava o suor e tinha caspa no casaco (dizem que colocava farinha de mandioca). Dizia que fora enviado pela providência divina para salvar o Brasil. Não teve sucesso como advogado nem obteve ingresso no Itamaraty. Muito inteligente e com o português impecável. Falava de forma rápida, apoderando-se da palavra e não dando espaço para os seus interlocutores. Já bebia muito na faculdade e com o passar do tempo a imprensa se referia a ele como alcoolista.

O objetivo deste artigo é levantar uma hipótese psiquiátrica para entender a renúncia. Na vida de Jânio havia sinais evidentes de transtorno de humor bipolar. Apresentava uma conduta grandiosa e, às vezes, bizarra, se permitindo tudo sem dar satisfação a ninguém, nem mesmo ao Congresso. Agia como se fosse um enviado dos céus. Relatou que imaginava ser reconduzido ao poder pelo povo se renunciasse. Sua fala era difícil de ser entendida evidenciando um pensamento confuso. Apresentava ideias delirantes de perseguição (a conspiração está em marcha) que nunca se comprovou. Era ansioso e insone, talvez usasse o álcool para tentar aliviar a ansiedade.

Claro que o álcool piora a situação. Em sua época não se fazia diagnóstico de transtorno bipolar nem havia tratamento adequado. Uma reflexão para finalizar. O povo tende a eleger políticos que se apresentam messiânicos e salvadores. Olhando para o passado e para o presente da humanidade, observamos como é fácil colocar no poder um governante com sinais evidentes de doença mental.

* Publicado originalmente em 08/09/11, no Jornal do Comércio e disponível em jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=72363.

Nelio Tombini
Psiquiatra
Dir. da Psicobreve


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